segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Sobre racionalização, controle social e corpos disciplinados em Erving Goffman

Erving Goffman apresenta três problemas sobre a mortificação do eu. Primeiro a perturbação para as ações do eu. A mortificação do eu dá-se através da retaliação da autonomia do internado. O internado não pode decidir sobre várias atitudes que realizaria ou não. Ainda perde proteção de si mesmo, comodidades, recebe fiscalização intensa e precisa conviver com a contínua sujeição a ordens. Um segundo problema refere-se às justificativas para as ações de mortificação do eu. Estas justificativas ocorrem segundo a Instituição Total.

As instituições religiosas realizam a mortificação do eu, ao mesmo tempo que esperam uma auto-mortificação por parte do internado. Pelo contrario em campos de concentração e prisões a mortificação se dá agressivamente, sem facilitação pelo internado e, assim, é realizada como fim em si mesma. Em muitas outras Instituições Totais a mortificação é justificada através de racionalizações como higiene, responsabilidade, capacidade de exercer função e segurança em caso prisional.

O terceiro problema apresentado é a relação entre interação com o eu do internado e a tensão. Esta relação tende conforme os casos e, assim, ocorrem as duas faces, interação e tensão, dependendo do caso. Já adentrado à instituição, o internado entrará em contato com os privilégios de grupo. O internado, em contato com outros internados, irá conhecer as rotinas não-oficiais do grupo. Este processo, em seqüência do processo de mortificação do eu, irá influenciar “nas maneiras individuais de adaptação”. Para esta adaptação, o autor, evidencia quatro possibilidades. Na primeira o internado pode desinteressar-se pelos acontecimentos internos e externos e somente perceber o que ocorre próximo ao seu corpo, mas, em perspectiva desligada daqueles que o rodeiam. Nos hospitais para doentes mentais isto recebe o nome de “regressão”. A segunda possibilidade é a negativa do internado para com a instituição, desafiando. A terceira, chamada de “colonização”, é a aceitação, pelo internado, da instituição, representando o internado ideal ao modelo oficial, “alguém cujo entusiasmo pela instituição está sempre à disposição da equipe dirigente”.

A equipe dirigente ocupa-se de duas atividades, segundo o autor; primeiro a de dizer oficialmente o que deveria fazer, que são as realizações de um plano oficial preestabelecido e fazer com que o internado atinja um “padrão ideal” deste plano oficial e, segundo, dirigir a instituição que serve como “deposito de internados”. A equipe dirigente tem como produto de trabalho pessoas, os internados. Como estas pessoas são o objeto de trabalho da equipe, podem vir a receber “características de objetos inanimados”. A equipe também pode receber obrigações quanto aos direitos externos do internado, em caso deste ser considerado incapaz, responsável pelo “papelório” do internado até mesmo após sua morte. É responsável pela integridade da vida do internado e manutenção de “padrões humanitários de tratamento”, que conflituam com os padrões de “eficiência da instituição”, que visam um tratamento dinâmico e sem riscos, mesmo que ineficiente ao paciente ou preso, que é assim caracterizado ao adentrar à instituição.

Entre a equipe diretora e os internados ocorre uma aproximação que se dá através da delegação de tarefas, por parte da equipe para os internados. Através destas tarefas acontece uma aproximação solidária da condição de cada um, havendo, consequentemente, “liberações do papel” usual de cada um. Porém, através da supervisão da equipe supervisora e gozando da “oportunidade para passar algum tempo num ambiente relativamente não-estruturado ou igualitário” o ideal oficial tende a permanecer em pauta. Nesta organização cada função recebe um espaço específico, que não permite externalizar a realidade rotineira da instituição. Assim, podem haver salas para visita, castigo, local para a apresentação de trabalhos do projeto ideal oficial e outros. Esta internalização dos espaços e procedimentos resguarda o trabalho da equipe, apresentando, ao mundo externo, uma imagem de boa relação entre equipe e internados.

José Augusto Hartmann é filósofo (FACEL) e historiador (UFPR). Este artigo reflete as opiniões do autor. O site não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

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