segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Resenha do livro “Ciência e política: duas vocações” (Max Weber), por Gills Lopes


Corrida de forma simples e direta, a obra “Ciência e Política: Duas Vocações”, do alemão Maximillian Carl Emil Weber, propõe uma análise sobre a política como vocação e descreve, ademais, os cenários e autores que fazem dela ora seu utensílio, ora única forma de se constituir e compreender o Estado – agrupamento político. Porém, fazer tal análise não seria, de grosso modo, inovador, mas ao ser feita sob a ótica de um sociólogo – alguém que, naquela época, estava mais interessado na relação humanista do que na econômica – fez com que tal obra virasse um clássico, ou seja, faz valer, até hoje, suas ponderações.


Este artigo se baseia na seguinte obra: WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Editora Cultrix. p. 55-124.


Para Weber, o uso legítimo da força era um instrumento normal de poder (p. 56) que o Estado dispunha para fazer valer sua política adotada. Ao lado da força vinha a violência e o território como características do Estado. Tendo essas noções, poder-se-ia fazer política – algo, aqui, como conjunto de medidas estruturadas que o Estado dispunha para governar – mesmo que esse meio não objetivasse algo lícito, ou, como o autor se referiria mais tarde, algo ruim.

Sabe-se que para ingressar em qualquer meio, deve-se, a priori, objetivar um fim. Na política não é diferente. Sob essa ótica, o autor aponta dois fins para o sujeito que procura a política como um meio: (i) ou servir a um ideal; ou (ii) buscar o poder como forma de status. Tal busca após alcançada, coloca o político e não mais o aspirante, como alguém figurado numa espécie de déspota, ou seja, um representante legalmente investido (neste exemplo, não através de castas, mas por meio de processo eleitoral) que, através de sua autoridade, domina seus súditos seja pelo medo ou pela esperança. Para essa dominação, há três princípios que o justificam, chamados de “fundamentos da legitimidade” (p. 57): autoridade de passado eterno; carisma; e legalidade. A base para compreender o que é política está interligada à compreensão da estrutura dominadora. Atenta-se à figura do carismático e nota-se que seus dons extraordinários e/ou pessoais cativam seus seguidores com um sentimento mais forte do que o de apenas serem legislados, confundindo-se muitas vezes com a fé deveras vista em líderes religiosos. Paralelamente a essa figura, um outro sujeito entra em cena: o demagogo. Este utiliza sua vocação política para tirar proveito e alçar ainda mais ao poder. Como dito, a obediência pode estar relacionada ao interesse material (glória, despojos etc.) por parte dos súditos (dominados). Por isso, há a necessidade por parte da dominação organizada de um estado-maior administrativo e de bens materiais de gestão, imprescindíveis para seu funcionamento e dominação. Sobre os bens materiais, as administrações podem ser classificadas em duas categorias: a primeira seria a dos funcionários ou outros magistrados; e a segunda a de pessoas economicamente independentes do poder que possuem no Estado. Para o autor, o Estado burocrático é o que melhor se assemelha com o Estado Moderno (algo como um Estado centralizador que procurou, em seu território, o exército como instrumento de domínio). Mas foi justamente com o Estado Moderno que surgiram novos políticos profissionais (aqueles que vivem da política e não para ela): os servidores dos príncipes, visto apenas no Ocidente.

Weber, muito notoriamente, discriminou e descriminou duas formas de se fazer política: vivendo a partir dela ou vivendo para ela. Ele acreditava que somente quem poderia viver para a política, naquela época, eram aqueles sujeitos economicamente independentes. Já o que vive da política não tem outros objetivos senão tirar proveito do cargo que exerce. Ele ainda conclui que “o homem político deve ser economicamente independente das vantagens que a atividade política lhe possa proporcionar” (p. 65). Porém, viver para a política requer um idealismo político que, muitas vezes, só é movido pelas classes menos favorecidas, fazendo com que aqueles que vivam para a política fiquem cada vez mais escassos. Ainda sob o aspecto de viver da/para política, o alemão atribui a duas explicações o aumento demasiado dos cargos públicos: a burocracia e a corrupção, mostrando, assim, que ideologias políticas estavam exíguas.

Mas também foi graças aos cargos públicos que possibilitaram a transição do poder principado para o parlamentar, pois foi cada vez mais frequente a especialização dos colaboradores do príncipe. Assim como no Estado antigo, o parlamento também possui duas categorias de funcionários: os de carreira e os políticos profissionais. Para esses últimos, havia cinco categorias: clérigos, letrados com formação humanista, nobreza da corte, patrícios e juristas formados em universidades. Os juristas foram importantes para o processo político, porém não puderam impedir a contaminação do seio político pelos pensamento religiosos.

Para Weber, o verdadeiro funcionário deve administrar, antes de tudo, de forma não partidária (p. 78). Porém, é inevitável a presença de outras figuras importantes para o cenário político novo: o demagogo, os partidos políticos corruptos, o empreendedor capitalista, o gentlemen e a figura do boss. O primeiro pode ser visto, à época, em várias instâncias da sociedade, dentre elas no meio jornalístico; o segundo é visto quando os interesses de um partido são postos acima dos interesses da maioria da população a quem um de seus partidários governa; o terceiro tinha como obrigação garantir o controle das despesas eleitorais; o quarto, que geralmente era um proprietário rural ou um homem que tivesse frequentado a Universidade, tinha grandes chances de obter um lugar no parlamento; o quinto, apesar de não aparecer publicamente, era um empresário político capitalista que não media esforços para angariar votos à sua campanha ou financiar outras. Para entender, ainda mais, sobre como os partidos políticos existam é imprescindível a impotência do parlamento, ou seja, no parlamento devem existir homens não interessados com as ideologias de seu partido, e sim de si próprios.

Um dos benefícios, além daqueles já traçados na obra, que podem gozar aqueles que fazem parte da política é o sentimento de poder. Mas para discernir sobre quem deveria ser esse gozador político, o autor aposta três qualidades: paixão, sentimento de responsabilidade e senso de produção. Nas mesmas proporções em que explana sobre os benefícios, Weber atenta para seu maior inimigo (caso o homem político seja alguém que viva para a política): a vaidade, ou seja, a capacidade de se colocar pessoalmente, da maneira a mais clara possível, e, primeiro plano (p. 107).

Weber atenta, também, para a política enquanto causa a ser defendida. Uma vez que tal defesa só é possível se o homem político souber discernir a relação entre ética e política. Coisa que, haja visto, não é muito fácil. Para tal, ele apresenta exemplos bílicos, como o Sermão da Montanha, e enfatiza determinadas ideias teológicas sobre a utilização da força por parte daqueles que vivem da política para, através das guerras santas ou não, tirarem proveito(s). Mais uma vez, o alemão não hesita em afirmar que o instrumento da política é a violência (p. 114). Ainda, faz uma analogia àqueles que vivem para a política como sendo portadores da ética da convicção, pois os partidários desta tem a convicção de qual o seu papel moral na política independentemente do mundo.

Findando sua obra, Weber faz uso de um último argumento sobre a política e a religião, através de analogias: o ser político, enquanto detentor da violência para fazer política, era pactuado com o diabo. Tal tese se sustentava noutra de que alguns famosos religiosos não utilizaram-se da violência para passar sua mensagem ou fazer sua política. Sobre isso, ainda alerta: Quem deseja a salvação da própria alma ou de almas alheias deve, portanto, evitar os caminhos da política que, por vocação, procura realizar tarefas muito diferentes, que não podem ser concretizadas sem violência (p. 120). Num último suspiro, Weber faz uma alusão que pode ser entendida como uma nova política, ou seja, uma política sem o uso da violência, no seguinte trecho: não se teria jamais atingido o possível, se não se houvesse tentado o impossível.

Vê-se, nesta obra, que Weber era simpatizante do socialismo (vide citação à página 76) e tinha um certo ressentimento sobre a forma democrática(principalmente a estadunidense) de se governar (p. 99 e 102). Achava que somente um homem livre de aspirações econômicas poderia ser um bom político, independentemente do sistema adotado, e, por fim, acreditava, ainda, que o homem político poderia fazer política sem o uso da violência. Como bons estudantes de relações internacionais, sabemos que política e força andam de mãos dadas.

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