segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O Poder Simbólico - Pierre Bourdieu

O autor aponta para a necessidade de relativizar a proposta do texto, pois o mesmo é fruto de uma “tentativa para apresentar o balanço de um conjunto de pesquisas sobre o simbolismo numa situação escolar particular…”( p. 7 ) ele fala do cuidado que se deve ter ao aplicar idéias oriundas de um dado contexto cultural a outros, apontando para as suas implicações: riscos de ingenuidade e simplificação, além de inconvenientes. Entretanto, ele fala de algo que está em toda parte e é ignorado: o poder simbólico.
“… o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo o exercem.” ( p. 8 )
Bourdieu cita os neo-kantianos e o tratamento dado por eles aos diferentes universos simbólicos: mito, língua, arte, ciência. Para eles, cada um desses instrumentos constitui-se num instrumento cognoscente e de construção do mundo objetivo. Ele faz referência a Durkheim e à sua tentativa de elaborar ciência, sem empirismo e apriorismo, como o primeiro passo na inauguração de uma “sociologia das formas simbólicas.”
“Nesta tradição idealista, a objetividade do sentido do mundo define-se pela concordância das subjetividades estruturantes (senso = consenso).” (p. 8 )
Segundo ele, a análise estrutural seria capaz de analisar a apreensão de cada uma das “formas simbólicas”, a partir do isolamento da estrutura imanente a cada produção simbólica, privilegiando as estruturas estruturadas. Para ilustrar, ele cita o lingüista Ferdinand Saussure, fundador desta tradição, e a representação que ele faz da língua:
“… sistema estruturado, a língua é fundamentalmente tratada como condição de inteligibilidade da palavra, como intermediário estruturado que se deve construir para se explicar a relação constante entre som e sentido.” ( p. 9 )
A eficácia dos sistemas só é possível, porque eles próprios são estruturados. O poder simbólico constrói a realidade e estabelece uma ordem gnosiológica.
“… o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, ‘uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências.” (p. 9 )
Segundo Bourdieu, Durkheim afirma que a função social do simbolismo é política, não se realizando a função de comunicação.
“Os símbolos são instrumentos por excelência da ‘integração social’: enquanto instrumentos do conhecimento e de comunicação (cf. a análise durkheimiana da festa), eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração ‘ilógica’ é a condição da integração ‘moral’.” (p. 10 )
Bourdieu cita a ênfase nas funções políticas que os “sistemas simbólicos têm, em detrimento da sua função gnosiológica. Os símbolos seriam produzidos para servir à classe dominante.
“As ideologias, por oposição ao mito, produto coletivo e coletivamente apropriado, servem interesses particulares que tendem a apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo (…) Este efeito ideológico, produz-lo a cultura dominante dissimulando a função de divisão na função de comunicação: a cultura que une (intermediário da comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante.” (p. 11)
As relações de comunicação são, para Bourdieu, relações de poder determinadas pelo poder material ou simbólico acumulado pelos agentes envolvidos nas relações. Os “sistemas simbólicos” atuam como instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e conhecimento e asseguram a dominação de uma classe sobre outra a partir de instrumentos de imposição da legitimação, “domesticando” os dominados.
“O campo de produção simbólica é um microcosmos da luta simbólica entre as classes: é ao servirem os seus interesses na luta interna do campo de produção (e só nesta medida) que os produtores servem aos interesses dos grupos exteriores do campo de produção.” (p. 12)
A luta de classes fica retratada na teoria de Bourdieu como uma luta pelo domínio do poder simbólico, que é travada nos conflitos simbólicos cotidianos. Esta luta se dá também a partir do embate travado entre os especialistas da produção simbólica legítima:
“… poder de impor – e mesmo de inculcar – instrumentos de conhecimento e de expressão (taxionomias) arbitrários – embora ignorados como tais – a da realidade social.” (p. 12)
Os “sistemas simbólicos” são produzidos e apropriados pelo próprio grupo, ou por um corpo de especialistas que conduz à retirada dos instrumentos de produção simbólica dos membros do grupo. Como exemplo, Bourdieu cita a história da transformação do mito em religião.
“As ideologias devem a sua estrutura e as funções mais específicas às condições sociais da sua produção e da sua circulação, quer dizer, às funções que elas cumprem, em primeiro lugar, para os especialistas em concorrência pelo monopólio da competência considerada (religiosa, artística etc) e, em segundo lugar e por acréscimo, para os não-especialistas.” (p. 13)
As ideologias, segundo Bourdieu, são determinadas pelos interesses de classe e pelos interesses específicos daqueles que a produzem e pela lógica específica do campo de produção.
“A função propriamente ideológica do campo de produção ideológica realiza-se de uma maneira quase automática, na base da homologia de estrutura entre o campo de produção ideológica e o campo de luta de classes. A homologia entre os dois campos faz com que as lutas por aquilo que está especificamente em jogo no campo autônomo produzam automaticamente formas eufemizadas das lutas econômicas e políticas entre as classes.’ (p. 14)
O ideológico aparece então como taxionomias políticas, filosóficas, religiosas, jurídicas etc. que demonstram legitimidade “natural”, dado que não reconhecidas.
“O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto mundo, poder quase mágico que permite o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário.” (p. 14)
“O reconhecimento do poder simbólico só se dá “na condição de se descreverem as leis de transformação que regem a transmutação das diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em especial, o trabalho de dissimulação e de transfiguração (numa palavra, de eufemização) que garante uma verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas encerram objetivamente e transformando-as assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia.” (p. 15)

Zelinda Barros (http://zelindabarros.blogspot.com/)

BOURDIEU, Pierre. “Sobre o poder simbólico”. In : O poder simbólico. Lisboa : DIFEL, 1989. p. 7-15.

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