segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Manicômios Conventos e Prisões - As Características das Instituições Totais

Instituições Totais e Suas Características

Uma instituição é considerada total por simbolizar uma barreira na interrelação de seus internados com o externo e, caracteriza-se como um local onde indivíduos com alguma semelhança ficam separados da sociedade por algum período, levando uma vida em cárcere e formalmente administrada.
Toda instituição conquista parte do tempo e do interesse de seus participantes e lhes dá algo de um mundo; em resumo, toda instituição tem tendências de “fechamento”. Quando resenhamos as diferentes instituições de nossa sociedade ocidental, verificamos que algumas são muito mais “fechadas” que outras. (GOFFMAN, 1961, p.16)
As instituições totais podem ser divididas, segundo Goffman (1961) em cinco grupos relacionados a seguir:
1- Existem aquelas instituições criadas para cuidar de indivíduos incapazes porem inofensivos e entram nesta categoria os asilos, os orfanatos e outros,
2- As criadas para cuidar daqueles que são incapazes de cuidar de si mesmo e também são uma ameaça à sociedade nesta categoria encontramos os sanatórios, hospícios e leprosários,
3- Aquelas cujos indivíduos são involuntariamente encarcerados por que algum outro indivíduo assinala que este representa algum tipo de periculosidade a saber, as penitenciárias, campos de concentração,
4- Existem ainda instituições em que os indivíduos admitem-se voluntariamente como quartéis, navios, escolas internas,
5- E por último existem as instituições religiosas os conventos, claustros e mosteiros.
As instituições em geral, por reproduzirem as formas de relações sociais predominantes, necessariamente contribuirão para o processo de alienação e despersonalização, através da violência e da exclusão, que estão na base de todas as relações que se estabelecem na sociedade capitalista. Umas das características das instituições, é a nítida divisão entre os que têm o poder e os que não têm poder, possibilitando uma relação de opressão e violência entre quem detém o poder sobre aqueles que não o têm. (BASAGLIA, 1985 apud JUNIOR, 2002, s/p).
O Mundo do Internado

O ingressante duma instituição total chega ao estabelecimento com afirmações de si mesmo adquiridas ao longo de sua vida. Ao se tornar interno de uma instituição total, imediatamente lhe são tiradas todas e quaisquer impressões e concepções sobre si mesmo. O seu Eu é sistematicamente anestesiado, atormentado e mortificado.
Suas crenças sobre si mesmo passam por mudanças radicais e muitas vezes tornam-se padronizadas nas instituições totais.
O primeiro grande exemplo de como uma instituição total aflige o Eu de seus indivíduos internados é a barreira colocada entre o interno e o mundo externo à instituição, principalmente no que diz respeito ao tempo de duração desta barreira. Em muitas instituições totais inicialmente, se proíbem as visitas e há o impedimento também do internado sair do estabelecimento, desta forma, inicia-se a ruptura com o mundo externo, cinge-se os papeis anteriores que possuía o internado e este começa gradualmente a perder seu status de ator social. (GOFFMAN, 1961)
Embora alguns destes papeis possam ser recuperados, existem aqueles aos quais o internado jamais recuperará a saber: uma carreira profissional, um casamento, a participação na criação de filhos dentre outros.( GOFFMAN, 1961)
Mais do que somente uma relação de opressão e violência, a intervenção sobre a vida do sujeito, classificando-o de normal ou anormal, constitui-se na afirmação de um poder médico que, travestido de científico, nada mais é do que a imposição ideológica do modelo de racionalidade burguesa. (GOFFMAN, 1961)
Para Júnior (2002), como produto dessa exclusão social também se tem a naturalização do doente mental enquanto um sujeito violento e capaz de cometer atrocidades o que possibilita a formação de uma cultura na qual um diagnóstico psiquiátrico e psicológico desfavorável condena o seu portador a um estigma, justificando inclusive a perda de todos os seus direitos civis e sua tutela pelos técnicos e agentes psiquiátricos.
Ao ser admitido numa instituição total, o indivíduo passa por um processo de despedida e recomeço. No processo de admissão obtém-se do indivíduo sua história de vida, ele é fotografado, pesado, medido, lhe é atribuído um número, ele é despido, desinfectado, são cortados seus cabelos, são lhe entregues roupas (uniformes) e ele passa a pertencer a um padrão. (GOFFMAN, 1961)
Ainda segundo o mesmo autor, a perda do nome no processo de admissão e a aquisição de um número é a grande mutilação do EU. Ao ser enquadrado no padrão da instituição total o indivíduo passa por uma desfiguração pessoal e uma deformação pessoal na medida em que perde seu conjunto de identidades.
De acordo Moreira (2003) apud Mansur (2003) quem passou muito tempo sob os cuidados de uma instituição total em especial os hospitais psiquiátricos, precisa reaprender a se cuidar, precisa reaprender a tomar posse de seu eu pois se acostumaram a ter a vida regulada pela instituição. Antes de saírem, adquirem noções básicas de higiene, regras de convívio social e até como se defender dos perigos urbanos. Pois numa instituição total, o indivíduo passa a ser obrigado a participar de atividades incompatíveis com sua concepção de Eu e também se vê obrigado a romper com qualquer relação que o ligue à sua concepção de Eu. O território de seu Eu é invadido, e a fronteira que o indivíduo estabeleceu, durante toda sua vida, entre seu ser e o ambiente, é violada, a exemplo, sua história de vida passa a ser compartilhada por muitos e ficam registrados em seu prontuário ao acesso de todos os dirigentes.
Num manicômio, doentes mentais podem ser obrigados a permanecerem nus durante todo tempo, ficando expostos a todos sem poderem “pseudoproteger” seu Eu e sofrendo toda sorte de humilhações e mutilações.
Também como exemplo da mortificação do Eu institucionalizado, o internado é obrigado a ingerir medicamentos e a comer alimentos em horas pré-estabelecidas estando ou não com fome. Quando se nega a comer, é lhe imposto uma alimentação forçada. Conforme esclarece a citação:
A vida do internado é constantemente penetrada pela interação de sanções vindas de cima, sobretudo durante o período inicial da estada. São retirados do indivíduo a oportunidade de equilibrar suas necessidades e seus objetivos de maneira pessoalmente eficiente e coloca suas ações a mercê de sanções violentando-se assim a autonomia do ato. (Goffman, 1961 p.42)
Uma considerável conseqüência a ser observada na mortificação e mutilação do Eu institucionalizado refere-se a tensão psicológica sofrida pela indivíduo, o alto grau de angustia e a perda constante de sua capacidade de fantasiar. (G0FFMAN, 1961)
Reinterando as idéias de Goffman (1961) e Junior (2002), O hospital psiquiátrico vai favorecer o processo de cronificação (o mesmo que embotamento afetivo, isolacionismo, hábitos grotescos e dificuldade de realizar ações práticas), justificando essa tutela e a submissão do portador de transtornos mentais a mecanismos de violência institucional. Ao cronificar o sujeito, a instituição psiquiátrica o condena aonternamento por toda a vida, ou podemos dizer, à morte em vida, pois impossibilita qualquer possibilidade de retorno ao convívio social, pela total falta de resolutividade nas ações terapêuticas e pelo desconhecimento do fenômeno estudado.
Neste aspecto, o processo de construção do sujeito, mediado pelas categorias de atividade, consciência e identidade, é irremediavelmente perdido, condenando o portador de transtornos mentais à morte em vida.
O Mundo da Equipe Diretora da Instituição Total

Segundo Moreira (2003) apud Mansur (2003)
O medo de que supostos loucos saíssem às ruas ameaçando a população foi o entrave histórico para todas as tentativas de executar a reforma psiquiátrica. Esse quadro de pavor foi bem explorado pelos proprietários dos manicômios privados que, nos últimos dez anos, fizeram campanhas e lobby em Brasília contra a reforma. Essas instituições acostumaram-se a receber cerca de R$ 400 milhões por ano do SUS para abrigar, por tempo indeterminado, os doentes mentais. Agora, terão de mudar de negócio. Autoridades de saúde argumentam que é mais barato tratar pessoas em casa. Mas o verdadeiro preço do tratamento nos manicômios ficou evidente em 2001, quando o ministério divulgou uma auditoria no maior sanatório do país, a Casa de Saúde Dr. Eiras, do Rio. Cerca de 15% dos pacientes passavam o dia na cama e 60% deles perambulavam a esmo. Só 13% participavem de alguma atividade. Muitas pessoas são internadas apenas porque eram mendigos ou incomodavam as famílias, mas não precisariam ir para um manicômio (s/p)
E de acordo com Goffman (1961):
Quase sempre, muitas instituições totais parecem funcionar apenas como depósitos de internados, mas, usualmente se apresentam ao público como organizações racionais, conscientemente planejadas como máquinas eficientes para atingir determinadas finalidade socialmente confessadas e aprovadas. O objetivo oficial é a reforma dos internados na direção de algum padrão ideal. Esta contradição entre o que a instituição realmente faz e aquilo que oficialmente deve dizer que faz, constitui o contexto básico da atividade diária da equipe dirigente. (p. 69.)
Alguém da equipe dirigente precisa ser o representante oficial da instituição, lidar com visitantes e outras relações dos internados, oferecer serviços especializados ou passar grande parte do tempo em contato direto com os internados. As pessoas da equipe dirigente são recrutadas uniformemente num estrato da sociedade mais ampla que tenha um posto mais elevado e legitimado do que aqueles em que são recrutados os internados, a separação, existente na sociedade mais ampla, provavelmente confirma e estabiliza a regra do grupo dirigente.
Portanto, a permeabilidade de uma instituição total pode ter conseqüências variáveis para seu funcionamento interno e sua coesão. Nem sempre, equipe dirigente e internados são grupos homogêneos, em alguns estabelecimentos o homem de confiança ou falso chefe não está muito distante, quanto as funções prerrogativas, do nível mais baixo da equipe dirigente, isto é, os guardas; às vezes, na realidade, pode ter mais poder e autoridade. Segundo Goffman (1961): “Uma característica especial deste grupo é a de ser formado por empregados a longo prazo e, portanto, transmissores de tradição, enquanto que os internados podem apresentar elevado índice de mudança” (p. 100)
SILVA, A.P.R.R; PITERSKIH, A.R; BASILE, G.C; CARVALHO, L.B; SANTOS, R.M.A; BONFANTI,T.D. RAHIN, M.A. (orientador) Os paradigmas do processo socio-histórico do sujeito institucionalizado no movimento anti-manicomial do município de Santos/SP, 2008 Estudos Orientados, Curso de Psicologia, Instituto de Ciências Humanas, UNIP - Universdade Paulista. Santos – Rangel, 2008.

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