segunda-feira, 27 de agosto de 2012

HEGEL E A FENOMENOLOGIA - Reflexões preliminares sobre mundo e sujeito

Autora: Profa. Ana Maria Cabral Gomes Carneiro

Hegel, na Fenomenologia do Espírito, descreve o saber da experiência que faz a consciência, colocando-se contra os critérios de verdade até então defendidos pelas correntes empirista e racionalista. A primeira apoiada no mundo empírico objetivo, como em Hume, e a segunda na pura razão como critério a priori, como em Kant.

Na Fenomenologia do Espírito, Hegel diz que o começo é o indeterminado puro, o universal, o imediato, ou seja, a consciência imediata, o puro ser, abstraído de todo conteúdo. Para ele o sujeito não sofre nenhuma determinação a priori. Ele, portanto, começa com o universal sem sujeito, universal abstrato, pelo fato de que, só o sujeito pode realizar o universal concreto.

Hegel afirma que o todo é o Espírito Absoluto. O espírito desce do universal através das determinações à singularidade e sobe da singularidade através de suas determinações à universalidade. Sendo assim nada tem ser, nem é, verdadeiramente conhecido se não está compreendido neste Espírito Absoluto.

Alfredo Moraes no seu livro A metafísica do Conceito coloca “para Hegel, a verdade, na medida em que se manifesta como Espírito absoluto, é, desde o começo, o fundamento do conceito ou de todo conhecer efetivo, mas que somente se realiza no seu desenvolvimento e, enquanto resultado, implica o devir de si mesmo na totalidade de suas figuras e momentos, que perpassa o jogo das mediações de suas categorias, para apresentar-se como um saber que, na trajetória de sua realização no conceito, se converte num conhecer que é ser”.[1]

Dizer que uma coisa se apóia no espírito absoluto equivale dizer que permanece nele como momento seu, ou seja, o absoluto é realidade viva, por isso Hegel disse que a verdadeira substância é o sujeito.

O começo é o momento mais pobre e mais abstrato, entretanto é a base imutável que permanece imanente a todas determinações exteriores. O ser é o nada de determinação. Se o ser tiver determinação deixa de ser o ser para ser um ser determinado, no ser determinado está presente o ser e o nada, pois toda determinação tem uma negação.

“O começo da cultura e do esforço para emergir da imediatez da vida substancial deve consistir sempre em adquirir conhecimentos de princípios e pontos de vista, universais. Trata-se inicialmente de um esforço para chegar ao pensamento da Coisa em geral e também para defendê-la ou refuta-la com razões, captando a plenitude concreta e rica segundo suas determinidades, e sabendo dar uma informação ordenada e um juízo sério a seu respeito. Mas esse começo da cultura deve, desde logo, dar lugar à seriedade da vida plena que se adentra na experiência da Coisa mesma. Quando enfim o rigor do conceito tiver penetrado na profundeza da Coisa, então tal conhecimento e apreciação terão na conversa o lugar que lhes corresponde”.[2]

A constituição do sujeito é propiciada a partir de determinações advindas da cultura, conhecer é saber o que uma coisa é. Para a fenomenologia hegeliana o ser é aquilo que se manifesta, portanto, a coisa mesma é uma exigência imperativa da sua lógica. Sendo assim, para conhecer é preciso se entregar, se abandonar à coisa mesma, não acreditar na existência de uma essência a priori, pois, o a priori é um pré-conceito. Ir até a coisa mesma implica na construção do conceito, esta, por sua vez, só se dá pela experiência que a consciência vivencia em cada relação com o outro. Lembrando que a consciência é o meio de conhecimento, mas, é também relação sujeito e objeto. A experiência da consciência se inicia a partir da certeza sensível à percepção, da percepção ao entendimento, do entendimento a certeza de si, até atingir a razão.

O todo não pensa a si mesmo, daí que, a consciência buscando a verdade levantou a cortina que cobria o objeto e deu de cara consigo mesma, percebendo que o eu é toda verdade, por ser relação e conteúdo da relação. O eu só existe como relação, essa é a sua verdade. Admitir a diferença e a multiplicidade no mesmo é muito importante para entender a dinâmica do eu que Hegel aponta e, que se mostra exatamente o contrario do que era até então determinado. Estar consciente é ação, é ato, é relação é intencionalidade, portanto, se a consciência é intenção e relação não deve ser pensada como algo cristalizado e sim como algo em movimento. O mesmo, diferente a cada instante.

“O ser aí imediato do espírito – a consciência – tem os dois momentos: o do saber e o da objetividade, negativo em relação ao saber. Quando nesse elemento o espírito se desenvolve e expõe seus momentos, essa oposição recai neles, e então surgem todos como figuras da consciência. A ciência desse itinerário é a ciência da experiência que faz a consciência; a substancia é tratada tal como ela e seu movimento são objetos da consciência. A consciência nada sabe, nada concebe, que não esteja em sua experiência, pois o que está na experiência é só a substancia espiritual, e em verdade, como objeto de seu próprio Si. O espírito, porém, se torna objeto, pois é esse movimento de torna-se um Outro – isto é, objeto de seu Si – e de suprassumir esse ser-outro. Experiência é justamente o nome desse movimento em que o imediato, o não experimentado, ou seja, o abstrato – quer do ser sensível, quer do simples apenas pensado – se aliena e depois retorna a si dessa alienação; e por isso – como é também propriedade da consciência - somente então é exposto em sua efetividade e verdade”.[3]

É importante entender que para Hegel a imediatez é o que constitui o pensamento, devido ao fato, de que o absoluto é transparente a si mesmo. A Coisa, o ser não está mais além do pensamento, e o pensamento não pode ser entendido como uma reflexão subjetiva estranha ao ser. Sua lógica parte de uma identificação entre o pensamento e a coisa pensada.

“Pois o ser não é algo que se dá, sem mais e por completo, á apreensão empírica dos sentidos, senão que se desvela ao logos, é logos, é aqui um conhecer e, mais precisamente, o Conhecer Absoluto, e suas categorias não constituem um “a priori” da razão finita, senão que se revelam ao sujeito cognoscente no ato em que para realizar o conhecer, o sujeito que conhece penetra na realidade efetiva e se entrega à coisa mesma”.[4]

Podemos deduzir que conhecer é ser e que o conhecimento é a apreensão do fenômeno como aquilo que é tal como se apresenta, pois, é baseado nessa premissa que Hegel coloca sua condição de efetividade.

Vale a pena ressaltar que consolidando o dizer de Heráclito, tudo flui, Hegel defende que a realidade efetiva só pode se dá em movimentos dialéticos mediados pela consciência na sua essência pensante.

“O espírito não é algo em repouso; antes, é o absolutamente irrequieto, a pura atividade, o negar ou a idealidade de todas as fixas determinações do entendimento. Não é abstratamente simples, mas em sua simplicidade, ao mesmo tempo, é um diferenciar-se de si mesmo. Não é uma essência já pronta, antes de seu manifestar-se, ocultando-se por trás dos fenômenos; mas, na verdade só é efetivo por meio das formas determinadas de sua necessária manifestação de si; e não (como aquela psicologia acreditava) uma alma-coisa, que está somente em uma relação exterior para com o corpo, senão interiormente ligado ao corpo pela unidade do conceito”[5]

Alfredo Moraes coloca que “conhecer a atividade que produz o conhecimento é o mais concreto; penetrar conceitualmente na contradição da simplicidade e da diferença interna é o mais difícil; apreender aquilo que é só no ato de sua manifestação e que por isso mesmo, não se dissocia da evanescência da existência da realidade efetiva é o desafio que nos lança Hegel na sua Filosofia do Espírito”[6].

Se nossa visão de mundo é constitutiva da consciência e determinada pela consciência diante dos fenômenos, podemos inferir que a relação entre o mundo empírico com o mundo racional é o mundo do fenômeno compreendendo por fenômeno tudo que aparece, que se manifesta ou se revela.

Para Hegel tudo está no fenômeno, as coisas só existem para a consciência na medida em que se manifestam. O mundo é fenômeno e o fenômeno é o conhecimento que temos dele.

A consciência é aquilo que une sujeito e objeto, ou seja, a consciência é a relação entre sujeito e objeto, sendo assim qualquer alteração em um dos dois altera o outro. A consciência modifica tanto o sujeito como o objeto e se modifica também por ser o meio de conhecimento e de relação entre eles. Não há como construir um conhecimento que não seja mediado pela consciência.

Todo conhecimento que o sujeito adquire sobre as coisas não é senão conhecimento sobre ele mesmo, que ele adquire através das coisas. A subjetividade para Hegel é o outro da objetividade, ou seja, cada um é o outro do outro diferente.

Em Hegel, o eu se constitui pela razão. O homem é ao mesmo tempo consciência e consciência de si, se relaciona com as coisas e com os outros pela mediação do pensamento. Por conseguinte é pela capacidade da razão que o homem sai do saber imediato e sensível percorrendo o caminho até o conceito.

O ser e o espírito estão presentes em todos os momentos da experiência humana, ou seja, experiência da consciência que se inicia na certeza sensível à percepção, da percepção ao entendimento, do entendimento à certeza de si, até consciência atingir a verdade da razão.

Concluímos assim, que para Hegel voltar para as coisas mesmas, significa que o fenômeno esgota toda realidade, pois, a essência do fenômeno é o próprio fenômeno na sua manifestação. Para ele, a realidade é apreendida como se manifesta, não há essência por trás. A essência é simultânea a existência.

O homem não apenas pensa sobre as coisas e sobre o mundo, mas ele também pensa em si mesmo. O pensar do homem é sempre um refletir, um pensar espelhado, duplicado. Na Fenomenologia do Espírito Hegel coloca o homem com um ser em si e para si. O homem é ao mesmo tempo consciência e consciência-de-si.

A consciência é sujeito, objeto e conteúdo. A fenomenologia em Hegel afirma uma reabsorção do fenômeno no conhecimento sistemático do ser, por se tratar de uma filosofia do absoluto. O saber absoluto é saber-se a si mesmo, como consciência, ou seja, compreender-se como realidade espiritual.

Referência Bibliográfica

Hegel, G.W.F. - Fenomenologia do Espírito. Petrópolis-RJ. Vozes. 1992.

Moraes, Alfredo de Oliveira - A Metafísica do Conceito. Porto Alegre RS: EDIPUCRS, 2003.

[1] Moraes, Alfredo de Oliveira. A metafísica do conceito. Porto Alegre RS: EDIPUCRS, 2003; p. 16.

[2] Hegel, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis RJ. Vozes. 1992. p. 23

[3] G.W.F, Hegel. Fenomenologia do Espírito.Petrópolis Petrópolis RJ. Vozes. 1992. p. 40

[4] ibidem. p.

[5] ibidem. p.

[6] Moraes, A. de O. – Op. Cit., p. 232.

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